Pergunta: Existe algo que podemos fazer para manter a inspiração que tínhamos no começo do ano? Geralmente em março já desisti da minha promessa de ano novo.

Sri Chinmoy: Ao invés de uma promessa, você pode ter doze projetos. Agora é janeiro. Neste mês, sinta que vai cumprir um projeto, não a ferro e fogo, mas com sua maior aplicação, sua maior aspiração. No fim do mês, se não tiver sucesso, esqueça-o totalmente. Sinta que aquele mês não existiu na sua vida. Se pensar: “Já que eu falhei em janeiro, não há esperança de sucesso em fevereiro”, ficará totalmente perdido. Se falhar em janeiro, sinta que esse mês não existiu no seu calendário. Isso não é auto-engano; isso é sabedoria. Qualquer coisa que não o deixe correr o mais rápido possível em direção à meta é inimiga sua. Todavia, se você tiver sucesso, pode ser sábio e falar: “Cumpri a promessa em janeiro. Agora, também preciso cumpri-la em fevereiro”.

            Perfection and Transcendence, p. 42-43

    Sri Chinmoy: Vocês podem retomar a intensa aspiração, que todos vocês possuíam quando aceitaram a vida espiritual, através de dois sentimentos. Primeiro devem sentir que o que conquistaram ou receberam até o presente momento não é nada se comparado com o que de fato necessitam de seus interiores ou das alturas. Sim, você alcançou ou recebeu algo; tem feito uma ótima, excelente meditação. E é tudo verdade. Mas em termos do que você ainda receberá ou se tornará, não é nada, nada, nada. Você lembra do que possuía e o que era há dez anos atrás. Agora você possui algo, e se tornou alguma coisa. Mas seja sincero! O objetivo está bem em frente ao seu nariz ou ainda é uma meta distante? Ainda é uma meta distante.  É suficiente o que você recebeu? Se for sincero, dirá que é quase nada se comparado com a infinita Luz que você busca. É um mínimo, absolutamente nada. Se tiver este tipo de sentimento, a sua sede cresce.

    No entanto, ao sentir que o que tem é mais do que o suficiente, uma postura complacente se cria. Talvez pense que meditou muito bem muitas vezes nesta encarnação e que já fez isto ou aquilo pelo Centro, e mesmo se não fizer nada mais, Deus se agradará com você. Quando os discípulos têm esta postura, sentindo que fizeram o suficiente por esta encarnação, não há movimento de avanço. Somente ao dizer que não fizeram nada se comparado com o que podem fazer, é que surge um clamor interior. O que possuem até o momento está entre vocês e seu Guru, entre vocês e Deus. Mas devem saber que o que ainda não receberam é infini-tamente mais importante do que o que já possuem. Dessa maneira, ao sentirem que ainda há algo infinitamente mais valioso, naturalmente buscarão read-quirir a sua aspiração e almejar por tal coisa.

    Antes de aceitar a vida espiritual, quando estava na vida-desejo, quando primeiro pensou em entrar para a vida de aspiração, você sentiu que esta vida de aspiração era algo que realmente traria satisfação. Por fim, você deixou a vida de desejo e entrou para a vida de aspiração. No entanto, deve sentir que esta vida-aspiração não é o suficiente. Somente a vida de realização lhe dará iluminação e satisfação. Quando estava na vida-desejo, você pensava que a vida-aspiração era tudo. E estava certo, absolutamente certo. Porém, agora você deve sentir que aspiração não é tudo. De outra forma, estará aspirando por um dia e por outros dez dias não estará. Agora a vida de realização é a sua única meta.  Se tiver a vida de realização, apenas então poderá alcançar satisfação constante. Quando estava na vida de desejo, você pensava: “Aqui não há satisfação adequada.” Então, quando tinha uma gota de aspiração, obteve uma gota de satisfação. Contudo, se deseja satisfação duradoura, a realização deve se fazer conhecida.

    Sinta que havia um clamor que o compeliu a saltar das margens do desejo para as margens da aspiração. Para retomar a intensa aspiração com a qual iniciou a sua jornada, pense que deve desenvolver o mesmo tipo de clamor e saltar da margem-aspiração para a margem-realização. Senão, não lhe será possível alcançar a margem-realização. Uma vez você clamou e saltou. Agora, para ser capaz de saltar você deve clamar novamente. No entanto, caso sinta que o primeiro salto foi suficiente, naturalmente não sentirá a necessidade de seguir em frente. E, se não seguir em frente, nunca ficará satisfeito. O que há de real e verdadeiro em você não ficará satisfeito.

    Você desenvolve esse intenso clamor apenas ao sentir um vazio sincero. Sinta que o que possui não é nada e que você não é nada em comparação com o que possuirá ou se tornará. A sua mente física lhe dirá que você fez muito progresso pois aceitou a vida espiritual. Porém, se você recebe tanto, meditando apenas de vez em quando, então receberá muito mais ao meditar constantemente e conscientemente. Até mesmo a ganância humana lhe dirá que você possui bastante, ainda que sem ter meditado de maneira irrestrita, consciente e devotada, e portanto, se o fizer devotadamente, receberá muito mais paz, luz e alegria.

    Diga a si mesmo: “Apesar de ser letárgico, apesar de ser um instrumento imperfeito, recebi tanto meditando e orando de forma desorganizada. Caso aspirasse consciente, regular e devota-damente, eu receberia muito mais.” Há muita verdade nessa abordagem humana. No entanto, a maneira divina é: “Sou muito rico, mas e daí? Deus lida com Sua infinita, imortal, eterna riqueza. O que me tornei não é nada, nada, nada em comparação com o que eu posso me tornar ou com o que me tornarei.”

    Trabalhando duro, você ganha cem dólares. Tendo estes cem dólares, pode novamente trabalhar bastante e receber um milhão de dólares. Essa é a gananciosa abordagem humana. A outra abordagem é sentir que não importa o quanto recebeu, mesmo que seja um milhão de dólares, Deus possui muito mais. A mais vasta quantidade não é nada ao Olho de Deus, porque Deus possui infinita Paz e Luz. Deus sempre lida com a Infinidade. Um milhão pode ser contado, já a Infinidade não pode. Precisamos da Infinidade, mas o que temos agora não é nada quando comparada com ela.

    Este modo divino de abordar a Infinidade de Deus é o modo indiano. Na Índia, as pessoas clamam Deus como sendo delas. Aqui no ocidente, infelizmente vocês têm medo de clamar a Deus. Sentem que, já que cometeram um pecado, como podem clamar a Deus como sendo de vocês? Na filosofia indiana não existe pecado. E mesmo se existisse, nós temos fé em nosso Pai e Mãe divinos. Toda a nossa poeira e sujeira irá embora no momento que formos até Eles. Eles nos lavarão. Uma criança clama a sua mãe e seu pai como seus. Onde está a capacidade de sentir de culpa? Não há culpa.

    Retornando à sua pergunta, você pode começar com a gananciosa abordagem humana de forma a aumentar a sua aspiração. Se quiser se tornar o Shylock* do século vinte, tudo bem. Junte tanta riqueza espiritual quanto puder. Verá então a sabedoria despertando em você. Mesmo se tentar separar a Infinidade do finito, verá que é impossível. O finito e o Infinito sempre caminham juntos.

(*Usurário judeu e antagonista de Antonio em “O Mercador de Veneza”, de Shakespeare.)

          Perfection in the Head-World, p. 30-34